quinta-feira, 13 de junho de 2013

Registos de azulejos com a imagem de Santo António

Imagem 1 - Registo, Santo António pregando aos peixes, painel de 6 x 5 azulejos, faiança policroma, século XVII, oficina de Lisboa (?). Proveniência - Escadinhas do Jogo da Pela, Lisboa - Museu da Cidade

Originariamente limitados ao interior das igrejas, as figuras dos santos surgiram também no meio profano, realidade que poderá ser explicável pelo desenvolvimento do culto divino, fomentado pela Reforma Católica a partir da 2ª metade do século XVI. 

Os registos de azulejos, identificadores da religiosidade popular, são muito comuns na cidade de Lisboa. Invocadores de Jesus Cristo, da Sagrada Família, da Virgem e dos Santos, no intuito de proteger as casas e os seus moradores, posicionam-se nas fachadas das habitações, sobre a porta ou entre as janelas. Por vezes, surgem em átrios de edifícios, como é o caso de alguns prédios da baixa pombalina.

Imagem 2 - Registo representando Nossa Senhora da Conceição, painel de 6 x 6 azulejos, faiança policroma, 1650-1675, Lisboa. - Museu Nacional do Azulejo (Alguns destes "registos", (...) são um importante testemunho das alterações culturais e políticas desta época, reflectindo o incremento do culto mariano na Europa pós-Concílio de Trento, bem como o protagonismo que este assumiu após as Cortes celebradas em Lisboa no ano de 1646, nas quais D. João IV tomou Nossa Senhora da Conceição como padroeira do reino."  João Pedro Monteiro in "Um Gosto Português. O Uso do Azulejo no ´seculo XVII", pp. 264 ).
 
Registo representando Santo António, painel de 5 x 3 azulejos. Rua do Benformoso, nº 209, Anjos, Lisboa. Foto de Eduardo Portugal, 1949. Negativo de gelatina e prata em vidro - Arquivo Municipal de Lisboa
Ao longo dos tempos, as figurações iconográficas mais numerosas são as da Virgem (nas suas diversas invocações) e as de Santo António.
Muitas destas peças de azulejaria estão datadas - as mais antigas remontam ao século XVII -, constituindo um importante documento da evolução azulejar e da história de Lisboa.

A fonte de inspiração dos registos, fundamentou-se em gravuras de cariz erudito e composições pintadas por artistas conceituados. Produzidos em oficinas existentes na cidade, eram elaborados por artesãos sem escola, apresentando figuração provida de grande simplicidade (imagens 1 e 2). A policromia era usada com frequência, de acordo com os cânones de azulejaria da época, nas cores amarelo, laranja, azul, verde, sobre fundo branco, com demarcação do desenho a manganês.
 
Registo representando São Marçal e Santo António, painel de 10 x 9 azulejos. Rua dos Remédios, nº 145, Santo Estevão, Lisboa. Foto de Eduardo Portugal, 1949. Negativo de gelatina e prata em vidro - Arquivo Municipal de Lisboa
Santo António pregando aos peixes, painel de 8 x 6 azulejos, faiança, 1725-1745, Lisboa - Museu Nacional do Azulejo
Após o terramoto de 1755, o número de registos aumentou, para além das figurações da Virgem e de Santo António, foram representados S. Marçal, protector contra os incêndios, e S. Francisco de Borja, reconhecido oficialmente em 1755, patrono do reino contra os terramotos.

Na transição para o século XVIII, emerge a pintura em azul e branco. Os registos continuam a apresentar enquadramentos rectangulares, sendo visível o refinamento das molduras, definidas por composições exuberantes, com profusão de elementos decorativos como conchas, laços, flores e folhagens, buscando uma elegância requintada, reproduzindo por vezes elementos arquitectónicos, de influência rococó. Progressivamente, os emolduramentos aproximam-se da decoração da talha, onde predominam os concheados e se integram por vezes vasos e motivos de flores e folhas. 

Registo pombalino representando o Calvário, São Marçal e Santo António, painel de 11 x 7 azulejos, c. 1760-1775. Pintura a azul e branco. Proveniente da Rua de São Ciro, nº 22, Lisboa - Museu da Cidade (Composição rococó, inteiramente recortada, e envolvida por enquadramento concheado, formando três reservas onde se integra a figuração. Ao centro da base, sob o Calvário, a legenda S. dos Navegantes).
Santo António, painel de 11 x 11 azulejos, faiança, 1750-1775, Lisboa - Museu Nacional do Azulejo

Registo pombalino representando São Marçal, Virgem com o Menino e Santo António, azulejos, Travessa do Calado, Penha de França, Lisboa. Foto de Eduardo Portugal, 1950. Negativo de gelatina e prata em vidro - Arquivo Municipal de Lisboa

Os registos de final do século XVIII, representam frequentemente diversos santos dentro de uma mesma reserva. As figuras relevantes são colocadas no centro da composição e representadas numa escala distinta. O painel policromo datado de 1790 (imagem 9), com representações de Nossa Senhora da Conceição, S. Marçal, Santo António e S. Pedro de Alcântara, embora com filiação rococó, é já um manifesto da fase assinalada pelo neoclassicismo. Este estilo também conhecido por estilo D. Maria I, teve o seu período mais significativo na penúltima década do séc. XVIII. A refinada ornamentação é conseguida através de técnica pontilhista e caligráfica. Os ornatos geralmente constituídos por grinaldas, fitas, laços, discretas ramagens e por vezes vasos floridos, associam-se a medalhões com pintura interior em azul ou roxo no centro.

Imagem 9 - Registo representando Nossa Senhora da Conceição, São. Marçal, Santo António e São Pedro de Alcântara, painel de 10 x 5 azulejos, faiança, 1790. Real Fábrica de Louça, ao Rato (?), Lisboa. Proveniente da Rua de São Marçal nº 51, Lisboa - Museu Nacional do Azulejo

Imagem 10 - Registo representando Santo António e São Marçal, painel de 10 x 7 azulejos, faiança, século XVIII (finais). Pintor ceramista Francisco da Paula e Oliveira. Real Fábrica de Louça, ao Rato. Proveniente da Rua das Amoreiras, nº 44-48, Lisboa - Museu da Cidade
Outro exemplo de azulejos da fase neoclássica ou estilo D. Maria I, é o registo com as representações de Santo António e de São Marçal (imagem 10). Os ornatos são constituídos por grinaldas, discretas ramagens e vasos floridos. Sobre fundo amarelo, destacam-se dois medalhões, cujo interior se encontra pintado em azul e branco, com figuração dos santos, integrando paisagens. A decoração requintada integra no eixo da peça, um vaso florido sobre cartela onde se lê: RVA / NOUA DO PAINEL / DE / JEZVS MARIA JOZE.

A Real Fábrica de Louça, ao Rato, em Lisboa, foi o principal centro produtor dos registos de santos, entre 1774 e 1835. Das fábricas responsáveis pela produção de registos em Lisboa, desde meados do último quartel do século XIX e a segunda metade do século XX, identificam-se a Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, a Fábrica Sant’Ana, a Fábrica de Cerâmica Lusitânia e a Fábrica de Louça de Sacavém.
 
Registo representando São Francisco de Assis e Santo António, painel de 6 x 5 azulejos, c. 1790. Figuração com pintura em azul e branco. Proveniente da Travessa das Fiandeiras, Ajuda, Lisboa - Museu da Cidade (Decoração envolvente policroma, recortada na parte superior, com duas urnas laterais e um cesto ao centro, do qual se espalham grinaldas. Na base, duas fitas com as legendas, formando um laço, no centro).
Nossa Senhora da Conceição, São Marçal e Santo António (?), painel de 14 x 11 azulejos, 1760 - Colecção Berardo
Registo representando Santo António, painel de 9 x 6 azulejos. Travessa de Santo António à Graça, nº 3, Graça, Lisboa. Foto de Eduardo Portugal, 1953. Negativo de gelatina e prata em vidro - Arquivo Municipal de Lisboa
A tradição dos registos foi retomada durante o romantismo, depois de sofrer oscilações relacionadas com crises políticas e questões de ordem sócio-económica, decorrentes das Guerras Liberais do 1º terço do século XIX.
Após o periodo anticlerical da 1º República, os registos entram numa nova fase, reflectindo por vezes as circunstâncias sociais e políticas do momento. Durante o Estado Novo, em conjuntos urbanos distintos,p revaleceram os santos  adoptados pela política do Regime. Destacam-se entre eles, Santa Isabel e S. Francisco de Assis, pela sua vertente caridosa, a Sagrada Família, e a Nossa Senhora de Fátima, que ao longo do século XX vai ganhando realce
 
Em Lisboa, os registos em azulejo são abundantes, destacando-se a riqueza e diversidade iconográfica. A negligência, os roubos e os actos de vandalismo, colocam em risco este património histórico-cultural da cidade.

 
Nossa Senhora das Sete Dores, São Marçal, Santo António com Menino e Almas do Purgatório, painel de 9 x 7 azulejos, faiança policroma, 1800. Real Fábrica de Louça, ao Rato, Lisboa - Museu Nacional do Azulejo

São Marçal e Santo António (?), painel de 11 x 7 azulejos, 1807 - Colecção Berardo

Registo de santos votivo a São Marçal, Nossa Senhora da Conceição, e Santo António, painel de azulejos. Rua de São João da Praça, nº 15, Sé, Lisboa. Foto de Armando Serodio, 1960. Negativo de gelatina e prata em acetato de celulose - Arquivo Municipal de Lisboa

Fonte:
http://www.museudacidade.pt/Paginas/Default.aspx
Câmara Municipal de Lisboa (1984), Exposição Azulejos de Lisboa. Lisboa: Ramos, Afonso & Moita Lda.


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